À Descoberta de Miranda do Douro
 


Nazo

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Miranda do Douro - Palancar - Póvoa -
Nazo - Malhadas - Miranda
28,5 Km

27 de Agosto de 2008

O regresso a Miranda do Douro é sempre uma festas. Desta vez cheguei um pouco depois das festas da cidade, quando se aplica a expressão “apanhar as canas”, mas já nem os foguetes usam canas!

No dia 27 de Agosto fiz um longo passeio pedestre ao Santuário de Nossa Senhora do Nazo. Possivelmente seria mais agradável de bicicleta, mas não tinha bicicleta.

Habituado a planear os percursos ao pormenor, com a ajuda da Internet, senti-me um pouco limitado, pois também não tinha Internet. Decidi tentar acompanhar parcialmente o percurso seguido no dia 6 de Setembro de 2004, num passeio organizado pela Câmara Municipal.

Saí de casa pouco depois das 8 horas. Não tinha muitas certezas quanto às distâncias, nem se encontraria facilmente os caminhos. Já várias vezes me perdi entre a Póvoa, Malhadas e o Palancar, nos meus passeios de bicicleta.

Dirigi-me ao centro da cidade e parti pela N542 em direcção a Pena Branca. Pouco depois de atingir os 700 metros de altitude, deixei a estrada e segui por um caminho em direcção ao Palancar.

Estava contente, pois sabia estar a seguir o caminho certo. A calma era total. O céu estava quase completamente limpo embora pouco luminoso. Às nove horas da manhã, os sons dos campos mal se faziam ouvir. Algumas boiadas mirandesas dirigiam-se para os pastos, com aquele passo calmo típico do planalto nos meses de Verão. As aves mal se mostravam. Ao longe ouvia-se um ou outro pombo-torcaz e os tralhões apanhavam todos os insectos que ousassem mexer-se na erva pastel dos cerrados.

Pouco depois esbarrei com o casario do Palancar. Passava pouco das nove da manhã e só as galinhas correndo, me saudaram à chegada. O sol já aquecia casas e ruas, tentando dobrar as verduras das hortas, ansiando humidade.

Encontrei uma idosa, perguntei-lhe pelo caminho para a Póvoa. – Pruôba? Corrigiu ela – num tem nada que enganhar.

Segui satisfeito, respirando o ar fresco. Nas margens do rio Fresno havia bonitas hortas. No meio das cebolas e dos feijões, tratadas com o mesmo carinho, havia cércias floridas das mais diversas cores. Um senhor regava as cebolas. Meti conversa com ele e tive direito a uma lição gratuita de língua mirandesa: cebolha, riestra, berças e freijon. Para a alface não temos palavra – dizia-me com algum desgosto.

Entrei depois numa fase de tranquilidade. O céu não se abriu como esperado, mantendo um azul algo diluído em neblinas renitentes. Os lameiros murados de pedra miúda, com cores pálidas de palha, não disfarçavam a sua vergonha à vista dos salgueiros engalanados de verde. Mas também estes mostravam já ligeiras dentadas do Outono. Em breve, todas as folhas vão cair, trocando o seu verde com os tons palha da erva.

Em resposta ao céu pardacento, optei por fotografar a preto e branco. Sem pressas, eram já onze horas e meia quando me abeirei da Póvoa. A aldeia das cruzes, como lhe chamo dado o elevado número de cruzeiros que há na aldeia e pelos caminhos do seu termo. Já foi alvo de muitas visitas minhas. Desta vez, a minha atenção centrou-se na igreja. As cércias das hortas lá estavam, enfeitando a casa de Deus. Mas havia também gladíolos e dálias. A rusticidade das pessoas transfigura-se no seu gosto pela suavidade das flores e pela sua forte ligação ao divino. Na Póvoa, o divino está em toda a aldeia culminando no Santuário de Nossa Senhora do Nazo, para onde me dirigi.

Seguindo pela estrada, a progressão era mais fácil, mas o meu sistema locomotor denotava já algum desgaste. Não tinha problemas de água, uma vez que havia enchido todas as garrafas na Póvoa.

Esta estrada da Póvoa ao Nazo, traz-me à memória muitas recordações. Percorri-a várias vezes acompanhado de centenas de crianças, em passeios escolares. Tenho a certeza que muitas destas crianças, nunca mais vão palmilhar estes caminhos mas deles vão guardar recordações felizes.

No santuário de Nossa Senhora do Nazo faziam-se já obras para a grande festa, a realizar nos dias 6,7 e 8 de Setembro. A capela estava fechada, só me restou sentar-me à sombra a descansar os pés, enquanto saboreava o “almoço” que carregava na mochila. Imaginei a feira, a música, os devotos pagando promessas aos pés da Virgem. Deste lugar, ligeiramente elevado em relação ao planalto, passei os olhos pelo horizonte comparando-o inconscientemente com o horizonte onde  costumo descasar os olhos, por terras de Vila Flor. Não tinho o cabeço da Senhora da Assunção, ou a Serra de Bornes, para me guiarem à distância, mas via ao longe, no alto de uma colina a pequena capela de Nossa Senhora da Luz, ponto mais alto de todo o concelho de Miranda do Douro.

Pela uma e meia da tarde comecei o caminho de regresso. Ainda me apetecia visitar o lugar do Picão, mas os meus pés já estavam em péssimo estado, tinha que gerir muito bem o esforço, para conseguir chegar a Miranda.

Andei alguns metros pela estrada N544 mas depois entrei por um caminho, à esquerda, que me conduziu à aldeia de Malhadas. O calor era muito e a progressão lenta. Entrei numa fase em que as fotografias pouco apetecem, concentrando-se o esforço em caminhar simplesmente. No entanto, fui aproveitando para fazer alguns registos das paredes dos lameiros, dos poços, dos bebedouros, de alguns burros que encontrei à sombras das árvores e também algumas vacas. A maior parte do gado bovino que encontrei não era de Raça Mirandesa! Parece-me que esta raça, pode correr sérios riscos de desaparecimento, se nada for feito.

Já esgotado, no limite da minha resistência, cheguei a Malhadas. Desci pela aldeia em direcção à  igreja. O seu aspecto tosco, lembra-me uma tartaruga quando a olho do lado virado a sul. A porta estava aberta, mas realizava-se no seu interior uma cerimónia religiosa que achei por bem não perturbar.

Continuei a minha caminhada até à capela de S. Sebastião. Aproveitei para descansar um pouco e para me reabastecer de água, para enfrentar o calor abrasador dos últimos quilómetros do percurso.

A partir de Malhadas segui pela estrada N218 até às primeiras casas da cidade. Conhecia alguns caminhos alternativos, mas a vontade de parar era tanta, que se sobrepunha a qualquer resquício de vontade de partir À Descoberta.

Perto das dezassete horas, entrei em casa. Esqueci as agruras dos quilómetros, guardei em formato digital centenas de “quadros” pintados com as cores mais características do Planalto Mirandês, para mais tarde recordar. Alguns, vou partilhá-los, outros, vou guardá-los como caminhos que os meus olhos percorrerão sempre que me apeteça viajar por Terras de Miranda.

 

 

Aníbal Gonçalves

 

(clicar nas fotografias para as ver em tamanho maior)
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03 Agosto 2008